Author
Eduardo Bueno
Category
History
Format
Kindle
Language
Brazilian Portuguese
Pages
264
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Review

Capitães do Brasil descreve o fracassado projeto das capitanias hereditárias no Brasil. Embora fracassado, esse modelo socio-econômico deixou um legado duradouro: a estrutura fundiária do futuro país e a estrutura social excludente foram incoporados à história brasileira após o desembarque dos donatários.

Introduzindo o leitor ao contexto da época, Bueno apresenta a teoria geopolítica da “Ilha Brasil”. Segundo essa teoria, o Brasil seria um território insular, delimitado pela bacia dos rios da Prata e do Amazonas. Era uma forma de expandir o território além da marcação do Tratado de Tordesilhas, afim de garantir posse do ainda inexplorado território Inca (e às riquezas do lendário rei Branco).

Enquanto isso, o litoral, pouco guarnecido, continuava sendo alvo dos traficantes franceses de pau-brasil. Com poucos recursos para iniciar a colonização do território, a coroa portuguesa então tropicalizou o projeto das capitanias hereditárias (ler A Viagem do Descobrimento), deixando para a iniciativa privada a ocupação e desenvolvimento do território.

Então, o livro apresenta a história de cada capitania, iniciando pelas capitanias do sul do Brasil (que eram estratégicas como pontos de acesso ao Rio da Prata e ao caminho do Peabiru, ler “Náufragos, Traficantes e Degredados”), seguindo com as capitanias da costa Leste-Oeste (Pernambuco e as capitanias do norte) e concluindo com as capitanias da costa do pau-brasil (as capitanias do meio).

Os eventos que levaram ao fracasso do projeto foram muito semelhantes entre as capitanias. Ao ignorar a divisão territorial das tribos indígenas, muitas capitanias ficaram envoltas em conflitos constantes com os nativos. Além disso, tanto donatários e colonos tinham como objetivo o lucro rápido: eram conquistadores, dispostos a saquear e não a colonizar. Por último, o uso de degredados também foi fator de desestabilização, já que as frequentes incursões escravagistas lideradas por eles iniciaram diversos conflitos entre colonos e nativos.

Terceiro de uma série de quatro livros (da Coleção Brasilis), Capitães do Brasil traz ricos detalhes sobre a fundação de diversas cidades brasileiras, dos conflitos com as diversas tribos indígenas que habitavam a costa do Brasil e dos arranjos econômicos da coroa portuguesa com a iniciativa privada. É o melhor livro da coleção.

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O fracasso do projeto como um todo não impediu que o legado das capitanias hereditárias fosse duradouro. A estrutura fundiária do futuro país, a expansão da grande lavoura canavieira, a estrutura social excludente, o tráfico de escravos em larga escala, o massacre dos indígenas: tudo isso se incorporou à história do Brasil após o desembarque dos donatários.


Não restam dúvidas de que, desde o momento de seu desembarque, tanto os donatários quanto seus colonos visavam o lucro imediato. O principal – e quase único – objetivo da maioria era enriquecer o mais rápida e facilmente possível e retornar para Portugal. Nesse sentido, os homens que os donatários trouxeram para ocupar suas terras não eram “colonos” no sentido literal da palavra: eram conquistadores dispostos a saquear as riquezas da terra – especialmente as minerais.


Aleixo Garcia seguiu por uma antiga trilha indígena, chamada Peabiru, que conduzia do sul do Brasil até o altiplano boliviano. Tendo chegado aos arredores da atual cidade de Sucre, ele e seus acompanhantes atacaram e saquearam as cidades fronteiriças do Império Inca, obtendo 40 cestos repletos de objetos de ouro e prata. A expedição comprovou que o Rei Branco de fato existia: chamava-se Huyana Capac e era o soberano de um riquíssimo e vasto reino indígena, o Império Inca. Sem saber, Aleixo Garcia esteve a menos de 200 quilômetros da serra da Prata – que também não era uma lenda, mas um cerro de 600 metros, quase que inteiramente de prata, conhecido pelos indígenas pelo nome de Potosí.


Com efeito, o regimento dado a Martim Afonso estipulava que ele deveria enviar também uma missão de reconhecimento ao imenso e misterioso rio que os espanhóis haviam descoberto em 1500 no norte do Brasil. Vicente Yáñez Pinzón, que fora o primeiro a percorrer aquele extraordinário curso d’água, o havia chamado de Marañón. Quase meio século mais tarde, quando outro navegador espanhol, Francisco de Orellana, foi capaz de navegá-lo da nascente à foz, decidiu rebatizar a monumental estrada líquida que serpentava por mais de 6 mil quilômetros, desde os Andes até o oceano Atlântico, em meio à maior floresta que os europeus jamais haviam visto. Orellana deu-lhe o nome que ele ainda mantém: rio das Amazonas.


Laguna é uma espécie de “esquina” do Atlântico Sul: a partir daquele ponto para o sul se inicia a maior costa retilínea do planeta. Trata-se de uma extensão de 600 quilômetros formada por uma única praia, sem enseadas ou portos naturais, batida por águas turvas e geladas: um autêntico cemitério de navios que iria retardar a colonização da porção meridional do Brasil em quase dois séculos.


Ainda assim, quando já estava próximo do local onde deveria se reencontrar com Martim Afonso, Pero Lopes pôde desfrutar de um momento de muita satisfação. Foi no dia 23 de dezembro, quando, ao escalar o atual cerro de Montevidéu, ele deparou com uma vista extraordinária: “Vimos campos a estender d’olhos”, anotou em seu diário, “tão chãos [planos] como a palma; e muitos rios; e ao longo deles, muito arvoredo. Não se pode descrever a formosura dessa terra: os veados e gazelas são tantos, e as emas, e outras alimarias, tamanhas, como potros novos e do parecer deles, que é o campo todo coberto desta caça – que nunca vi em Portugal tantas ovelhas, nem cabras, como há nesta terra veados.” O fascínio da região não contagiou apenas o ríspido capitão. Em seu depoimento, Pero Lopes assegura que trazia consigo “alemães e italianos, e homens que foram à India e franceses”, e que todos ficaram “tão espantados com a formosura da terra, tão pasmados, que não nos lembrávamos de retornar”.


Ao cruzar pela região em 1530, o cosmógrafo Alonso de Santa Cruz – cujo livro Islario General de las Islas del Mundo se tornou o principal relato da expedição de Caboto, da qual ele fazia parte – anotara em seu diário: “Dentro do porto de São Vicente, existem duas grandes ilhas [as atuais São Vicente e Santo Amaro, que os nativos chamavam de Ingaguaçu e Guaimbé]. Na mais oriental delas [Santo Amaro] estivemos ancorados mais de um mês. Na mais ocidental, tem os portugueses um povoado chamado São Vicente, com dez ou doze casas, uma delas feita de pedra, coberta de telhas, e com uma torre para defesa contra os índios em tempo de necessidade. Estão providos de coisas da terra, de galinhas e porcos da Espanha e muita abundância de hortaliças (…) Estas ilhas, os portugueses creem ficar no continente que lhes pertence, dentro de sua linha de partilha.”


Os nativos chamavam São Vicente de Tumiaru – ou “lugar dos mantimentos”, em tupi. Era uma referência explícita à grande quantidade de mariscos que eles obtinham ali – e cujas cascas formavam os enormes montículos denonimados de sambaquis: um testemunho da fertilidade da baía e de sua milenar ocupação pelos indígenas. No século XVI, porém, não havia nenhuma tribo instalada em Tumiaru: os nativos que habitavam a região tinham se transferido para o topo da serra que se ergue logo atrás do lagamar.


São Vicente e Piratininga não foram apenas as primeiras vilas fundadas pelos portugueses no Brasil: foram também os dois primeiros estabelecimentos construídos pelos europeus na América ao sul do Equador.


D. João III viveu atormentado pela dívida pública e pela dívida externa contraídas antes e durante seu reinado. A dívida externa se manteve em torno de 1 milhão de cruzados, dos quais Portugal pagava só os juros (que, a partir da crise europeia de 1537, chegaram a 250 mil cruzados anuais). A dívida pública flutuante era de 2 milhões. Mas, entre 1528 e 1542, D. João emitiu os chamados “padrões de juro”, que eram títulos do Tesouro. Surgiu assim a dívida pública consolidada, que, em 1538, já era superior a 2 milhões, sendo a arrecadação da Coroa inferior a 1 milhão de cruzados. D. João recorreu então a empréstimos compulsórios, dos quais os fidalgos foram dispensados. Em carta ao papa, o bispo de Bérgamo definiu D. João como “um rei muito pobre, com grandes dívidas e morosíssimo em suas decisões”. O humanista Cleonardo disse, em 1535, que “não há terra onde as coisas sejam tão caras”.


Embora tenham se mostrado previdentes em evitar um conflito de todo indesejável com Castela, os homens responsáveis pela partilha do Brasil ignoraram soberbamente a divisão territorial do litoral brasileiro feita pela tribo Tupi ao longo de quase dez séculos de lutas sangrentas. Para os futuros donatários, tal descuido custaria caro – quando não a própria vida.


A “Guerra de Iguape” foi o primeiro confronto armado entre europeus travado em solo americano. Embora o episódio seja virtualmente ignorado pela maioria dos livros, o conflito foi um momento-chave na história do Brasil: depois dele, os portugueses praticamente desistiram de ocupar a Costa do ouro e da prata, deixando o sul do Brasil abandonado pelos vinte anos seguintes, ao longo das duas décadas durante as quais perdurou o período da capitanias hereditárias. São Vicente iria subsistir apenas graças à perseverança e à ambição dos traficantes de escravos que continuaram vivendo ali.


Baseando-se nos depoimentos que sobre eles deixaram vários cronistas europeus contemporâneos, não chega a ser uma surpresa o fato de os Goitacá não terem sido vencidos pelos Tupi. Altos, robustos e de pele mais clara que os demais povos da costa, os Goitacá eram guerreiros tremendos. Usavam flechas enormes, eram grandes corredores e nadadores inigualáveis. Entre as suas façanhas mais extraordinárias estava a pesca de tubarões, realizada em incríveis lutas corpo a corpo.


Cabeza de Vaca estava retornando para a Europa depois de ter passado oito anos como escravo de indígenas na América do Norte. Tinha caminhado cerca de oito mil quilômetros, descalço e nu, desde a Flórida até a Cidade do México, numa aventura sem igual na história da exploração do Novo Mundo. Por influência de Gonçalo da Costa, Cabeza de Vaca dentro em breve desembarcaria no Brasil.


De todo modo, Gonçalo Afonso e seus homens não conseguiram permanecer muito tempo em Santo Amaro. Sob a liderança do temível Cunhambebe, os Tamoio (aliados dos franceses e inimigos ancestrais dos Tupiniquim) partiram das ilhas Grande (RJ) e São Sebastião (SP) a bordo de suas grandes canoas e, no início de 1539, devastaram tudo o que Gonçalo Afonso havia construído. Só então os sobreviventes se transferiram para a vizinha São Vicente.


Álvar Nuñez Cabeza de Vaca foi uma das mais extraordinárias figuras da conquista europeia da América. Nascido em 1492, ele partiu para o Novo Mundo em 1527, como tesoureiro da expedição de Panfilo de Narváez. A frota naufragou na Flórida e, além de Cabeza de Vaca, apenas três homens sobreviveram. Eles foram escravizados pelos nativos, conseguiram fugir e caminharam 8 mil quilômetros, nus e descalços, até a Cidade do México, aonde chegaram no início de 1537, tendo se tornado os primeiros europeus a percorer todo o sudoeste dos EUA. Os indígenas que encontraram pelo caminho os chamavam de “filhos do Sol” e os julgaram deuses, pois Vaca havia curado alguns. Foi provavelmente por isso que ele se tornou, pelo resto da vida, defensor dos nativos, chegando a dizer que seu objetivo era “ensinar o mundo a conquistar pela bondade, não pela matança”. Abaixo, retrato supositício de Vaca.


Fundada por Brás Cubas, Santos tornou-se vila em agosto de 1546. Maior latifundiário da região, Cubas foi capitão-mor de São Vicente de 1545 a 1549. Descobriu a primeira mina de ouro no Brasil, no sopé do morro Jaraguá, em São Paulo. Combateu com ardor o pirata inglês Edward Fenton, que tentou tomar Santos em janeiro de 1583. Brás Cubas morreu em 10 de março de 1592, com mais de 80 anos de idade.


Aquela viagem, porém, teria uma consequência histórica bem mais duradoura e importante: enquanto Pero de Góis tratava de negócios, seu irmão Luís tornava-se o primeiro europeu a introduzir o uso do tabaco na Europa. Sem que pudesse imaginar, estava dando início à expansão de um dos vícios mais duradouros da História.


Ironicamente, embora Jean Nicot nunca tenha fumado – e fosse mesmo contra o uso da erva –, seu nome acabaria sendo usado para batizar o princípio ativo do tabaco: a nicotina.


Entre 1545 e 1560, a mina de Potosí produziu a extraordinária média de 266 mil quilos de prata por ano. No escudo que a cidade recebeu de Carlos V, o imperador mandou gravar: “Eu sou a rica Potosí, o tesoureiro do mundo, a rainha das montanhas e a inveja dos reis.”


De todo modo, os Caeté logo perceberam que os homens de Duarte Coelho não eram seus aliados “mair”, mas seus inimigos “perós”. Coelho, porém, parece ter se apaixonado de tal forma por aquele morro à beira-mar que desferiu um violento ataque à aldeia de Marim, desalojando os indígenas dali e dando, depois de vários combates, início à fundação da vila que estava destinada a se tornar sede da capitania de Pernambuco.


Em julho de 1553, disposto a “discorrer de viva voz com D. João III”, o donatário de Pernambuco partiu para Portugal, levando consigo seus dois filhos homens, Duarte e Jerônimo, que foram estudar em Lisboa. O governo da capitania ficou entregue a D. Brites de Albuquerque – primeira mulher a desempenhar um cargo político na América.


Além de farinha de mandioca, caça e pescado, os Tupiniquim abasteciam as vilas de Tourinho com abundância de frutas nativas, como cajus, abacaxis, cupuaçus, aracás, guabirobas, goiabas, mangabas, mamões, sapotis, maracujás e pacovas. Traziam também plantas medicinais (copaíba, jurubeba, jaborandi) e leguminosas (amendoim, feijões, gergelim), além de resinas e fibras vegetais (tucum, caraguatá e cipó embé), usadas para firmar as ripas das casas de pau a pique.


Mas a eclosão dos conflitos não foi provocada só pela captura de escravos. Conforme o padre Simão de Vasconcelos, “a paz com os indígenas da Bahia só durou enquanto durou também a paciência deles, porque não houve comércio vil, barbaridade, violência, extorsão e imoralidade que os portugueses não praticassem contra aqueles a quem chamavam selvagens, mas aos quais neste ponto excediam em selvajeria”.


O número total de portugueses instalados no Brasil em 1548 também não era elevado ao ponto de justificar a criação do Governo-Geral. A população da colônia não chegava a 1.500 almas – número 30 vezes inferior ao dos lusos que viviam na Índia. Cerca de 600 colonos moravam em São Vicente, outros 600 estavam estabelecidos em Pernambuco e o restante se encontrava disperso entre Porto Seguro (cerca de 100), Ilhéus (80) e Espírito Santo. As demais capitanias estavam total ou virtualmente desabitadas.