Author
Eduardo Bueno
Category
History
Format
Kindle
Language
Brazilian Portuguese
Pages
176
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Review

“Náufragos, Traficantes e Degredados” traz luz ao período mais obscuro da história do Brasil: as três décadas após o descobrimento do território por Pedro Álvares Cabral.

O título revela quem foram os personagens principais desse período esquecido. Os relatos desses personagens estimularam a exploração do litoral sul do Brasil e da região do Rio da Prata pelos reis de Portugal e Espanha. Marginalizados pela história, Eduardo Bueno os coloca no centro de uma empolgante história.

Essas três décadas esquecidas são inauguradas pela expedição que descobriu o Brasil: em 26 de janeiro de 1500, a frota do espanhol Vicente Yáñez Pinzón desembarcara na Ponta do Mucuripe (hoje incorporada à cidade de Fortaleza). De pouca consequência prática para o destino do Brasil, este prelúdio serve para reforçar a tese da intencionalidade da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral: a expedição de Pinzón apenas seguira a rota aberta por Colombro em 1498, que seguiu informações dadas pelo próprio rei português Dom João II.

E é na expedição descobridora de Cabral que entram em cena os primeiros degredados. A tática de lançar degredados em território desconhecido (leia a Viagem do Descobrimento, do mesmo autor) fora usada pelos portugueses ao longo do século XIV durante a circunavegação da África. O livro conta, então, as histórias desses interessantes personagens e de suas contribuições para as explorações portuguesas e espanholas no Brasil e na América do Sul.

Figuras como Caramuru (como era conhecido Diogo Álvares Correia, náufrago que ganhou posição proeminente entre os Tupinambás da Bahia e que teve influência na fundação de Salvador), João Ramanho (virtual fundador de São Paulo e que viveu até os 95 anos, teve inúmeros filhos e andava cerca de 54 quilômetros por dia), o enigmático Bacharel de Cananeia (que iniciou o tráfico de escravos indígenas, uma das principais atividades das vilas de São Paulo e São Vicente no primeiro século de colonização) e Aleixo Garcia (primeiro europeu a atacar possessões incas e a confirmar as riquezas presentes na América do Sul) estiveram no centro dos principais acontecimentos do período.

Grande parte dessas histórias se passam no sul do Brasil, entre a vila de São Vicente e o estuário do Rio da Prata. Os relatos dos indígenas dessa região (dos Guaianá de São Paulo, dos Carijó de Santa Catarina e dos Charrua do estuário do Rio da Prata) sobre um Rei Branco, que vivia cercado de luxos em uma região montanhosa, foram responsáveis por sucessivas expedições portuguesas e espanholas ao sul do continente. E essas expedições passavam pelo Peabiru, um antigo sistema de trilhas indígenas bem demarcadas, que podiam ser acessadas através de três pontos do litoral brasileiro: São Vicente, Cananeia e pela foz do Rio Itapocu (em Santa Catarina).

Em posse dessas informações, o náufrago português Aleixo Garcia, organizou – no verão de 1524 – uma expedição com dois mil índios flecheiros e seguiu o Peabiru em direção ao Peru e às lendárias riquezas do Rei Branco do Império Inca. Garcia e seu exército atacaram vilarejos nos arredores de Sucre e Potosí, saqueando taças de prata, peitorais de ouro e objetos de estanho. Na jornada de volta, a expedição fora atacada pelos temíveis Payaguá no Rio Paraguai. Porém, os poucos sobreviventes e os poucos artefatos recuperados eram as provas da existência de riquezas minerais no continente.

Entre as incursões subsequentes à expedição de Garcia ao Peru destaca-se a de Martim Afonso de Souza. Fica claro que a expedição de Martim Afonso não tinha fins colonizadores, apesar da fundação da cidade de São Vicente, o objetivo era encontrar o caminho do Peru através do estuário do Rio da Prata (e também de repelir às sucessivas incursões francesas de extração do pau-brasil).

Os infrutíferos esforços da expedição de Martim Afonso junto com a conquista do império Inca pelo espanhol Francisco Pizarro, em novembro de 1532, selaram o destino da “costa do ouro e da prata” (como era conhecida a região que ia de Cananeia ao Rio da Prata) ao esquecimento. Pouco antes, o rei Dom João III decidira iniciar a colonização e ocupação do Brasil com o sistema das capitanias hereditárias. Mas o insucesso na corrida do ouro e da prata foi desolador para o Brasil nas décadas que se seguiram.

Segundo de uma série de quatro livros (da Coleção Brasilis), “Náufragos, Traficantes e Degredados” traz luz ao período mais obscuro da história do Brasil. Além de muito ativas, as primeiras três décadas da história do Brasil são recheadas de histórias e feitos impressionantes.

Some quotes

O que dizer do intrépido Aleixo Garcia, que em 1524 marchou de Santa Catarina, com um exército particular de dois mil índios Guarani, para atacar as cidades limítrofes do Império Inca, a mais de dois mil quilômetros dali? E de seus companheiros Henrique Montes e Melchior Ramires – desertores e polígamos –, que, ainda assim, acabariam sendo recebidos na corte pelos reis de Portugal e Espanha, transformando-se nos homens mais importantes dos primórdios da exploração do rio da Prata e do litoral sul do Brasil?


Era 26 de janeiro de 1500 e os homens comandados pelo capitão Vicente Yáñez Pinzón tinham acabado de descobrir o Brasil.


Fosse assim ou não, o fato é que, ao meio-dia de 31 de julho de 1498, Cristóvão Colombo se tornou (sem o saber) o descobridor oficial da América do Sul. Embora cinco anos antes ele tivesse obrigado seus homens a jurar, sob terríveis ameaças, que a ilha de Cuba era terra firme, a verdade é que só naquele momento o almirante estava enfim aportando em extensões continentais.


Porém, antes de partir, Cabral manteve vários encontros com Vasco da Gama. O descobridor da Índia redigiu instruções náuticas detalhadas para o futuro descobridor do Brasil. Esse documento – que Cabral levou consigo a bordo – sobreviveu aos séculos e o rascunho dele está preservado na torre do Tombo, em Lisboa. Seguindo tais indicações, a frota de Cabral zarpou de Lisboa em direção à Índia pela rota que Gama e, antes dele, Bartolomeu Dias, tinham estabelecido.


Apesar da indignação de seus subordinados – entre eles Vespúcio –, Gonçalo Coelho não permitiu retaliações aos indígenas e determinou que a frota zarpasse imediatamente, dando continuidade à exploração da costa em direção ao sul. Com o calendário litúrgico nas mãos, a expedição foi batizando todos os acidentes geográficos do litoral brasileiro pelos quais cruzou. O primeiro deles foi o cabo de Santo Agostinho, próximo ao Recife, avistado em 28 de agosto, dia consagrado a esse santo. Em 4 de outubro de 1501, a expedição chegou à foz de um grande rio, que, pelo mesmo motivo, batizou de São Francisco.


Em Porto Seguro, naquele início de desembro, a frota de Gonçalo Coelho também recolheu toras de pau-brasil – a árvore que, em breve, iria definir o nome e o futuro daquele território. Seguindo sua jornada para o sul, as três caravelas chegaram a um local esplendoroso no primeiro dia de 1502. Era uma ampla “boca de mar”, cercada de vastas montanhas recobertas de mata luxuriante. Julgando se tratar da foz de um rio, os exploradores batizaram o lugar com o nome de Rio de Janeiro.


É possível que, no período em que Vespúcio estava em Cabo Frio, seu desafeto, Gonçalo Coelho, estivesse poucos quilômetros mais ao sul, fundeado na baía de Guanabara. Lá, o comandante da frota também teria decidido construir uma feitoria, já que, a partir de 1504, a expressão “carioca” – que em tupi significa “casa de branco” – passaria a ser associada à baía de Guanabara.


Por iniciativa do jovem cosmógrafo Martin Waldessemüller, o Ginásio Vosgense decidiu “revisar e ampliar” a obra de Ptolomeu, tendo como base as “descobertas” feitas por Vespúcio. E assim, em um texto que se tornaria profético, Waldessemüller escreveu: “Agora que uma outra parte do mundo, a quarta, foi descoberta por Americum Vesputium, de nada sei que nos possa impedir de denominá-la, de direito, Amerigem, ou América, isto é, a terra de Americus, em honra de seu descobridor, um homem sagaz, já que tanto a Ásia como a Europa receberam nomes de mulheres.”


Cristóvão Colombo morrera quase que exatamente um ano antes, em 20 de maio de 1506, amargurado e na miséria. Os eruditos de Saint-Dié não ignoravam suas descobertas. Mas, até pelo menos 1514, muitos geógrafos – Waldessemüller entre eles – acreditavam que as ilhas achadas por Colombo em outubro de 1492 de fato eram os limites ocidentais da Ásia, enquanto que a América do Sul (supostamente descoberta por Vespúcio na viagem de 1497 e de fato explorada por ele próprio entre 1501 e 1504) seria um continente autônomo, totalmente separado delas ou, quando muito, interligado ao arquipélago por um istmo.


Dessa forma, a “quarta parte do mundo” acabou sendo batizada com o nome de um homem que não fora o seu descobridor. De acordo com um texto escrito em 1900 pelo historiador brasileiro Capistrano de Abreu, “a falsidade e a galanteria” foram “pavoneadas pela imprensa e, por força delas, temos hoje o nome de americanos”.


As toras de pau-brasil, levadas para Lisboa, eram reembarcadas para Amsterdã para serem reduzidas a pó. O pó – usado para tingir os tecidos – era revendido na França e na Itália. A exaustiva tarefa de cortar e raspar a duríssima madeira até transformá-la em pó grosso era dada a prisioneiros, e essa indústria tornou-se virtualmente um monopólio do governo holandês. Dois prisioneiros, trabalhando ao longo de um dia inteiro, produziam 27 quilos de pó por jornada.


A exploração do “pau-de-tinta” foi feita num ritmo tão feroz que, ao longo de todo o século XVI, portugueses e franceses levaram, em média, oito mil toneladas da madeira por ano para a Europa.


De início, os nativos ficaram encantados com as bugigangas que os europeus lhes ofereceram como “resgate”: espelhos, avelórios (vidrilhos), contas, pentes, cascavéis (guizos) e pedaços de pano. Assim que a novidade passou, lusos e franceses tiveram que substituir essas quinquilharias baratas por ferramentas de metal (tesouras, anzóis, facas e machados). Então, de um momento para outro, as tribos tupis do litoral brasileiro saíram da Idade da Pedra para ingressar na Idade do Ferro. Foi uma revolução instantânea.


A presença desses traficantes no litoral brasileiro tornou-se tão comum que muitos acidentes foram batizados com nomes como Porto Velho dos Franceses e Porto Novo dos Franceses (ambos no Rio Grande do Norte), rio dos Franceses (na Paraíba), baía dos Franceses (em Pernambuco), boqueirão dos Franceses (em Porto Seguro) ou praia do Francês (próxima à atual Maceió, em Alagoas). Outro ponto no qual os navios normandos ancoravam com muita frequência era a praia de Búzios, no Rio Grande do Norte, cerca de 25 quilômetros ao sul de Natal.


Mas, disposto a atacar as possessões de Carlos V em todos os quadrantes do globo, Francisco I logo decidiu afrontar também as determinações do Tratado de Tordesilhas. Ao justificar sua atitude, em uma carta a um diplomata espanhol, o rei francês faria o mais ousado e mordaz dos comentários sobre o tratado. “O sol brilha para mim como para todos”, disse ele. “Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me excluiu da partilha do mundo.”


Por não concordarem com os direitos que Portugal obtivera através do Tratado de Tordesilhas, os franceses instauraram um processo judicial contra a corte de Lisboa após a apreensão da nau A Peregrina. Graças aos registros desse tribunal é que os detalhes do episódio se tornaram conhecidos. O fato de A Peregrina transportar em seus porões a espantosa quantidade de três mil peles de onça levou o historiador americano Dean Warren a dedicar ao tema duas páginas de seu livro A Ferro e Fogo (sobre a devastação da Mata Atlântica), especulando sobre o impacto causado por tal mortandade não só no meio ambiente, mas nos próprios costumes indígenas.


O “mar do Sul” seria finalmente avistado no dia 25 de setembro de 1513. Depois de uma jornada épica, Vasco Núñez de Balboa cruzou as montanhas e selvas do Panamá e enfim vislumbrou o oceano que banhava a costa oeste da América. De posse dessa informação – que a deixava com ampla vantagem sobre Portugal na corrida em busca desse território desconhecido –, a Coroa castelhana decretou que qualquer navio português encontrado navegando pelo Caribe fosse capturado e seus tripulantes imediatamente presos.


Aquele era o primeiro encontro entre os europeus e os Charrua, aguerridos e indômitos nativos do Pampa, que caçavam emas com boleadeiras e viviam em tendas de couro. O que realmente interessava, porém, eram as notícias que esses índios deram para os portugueses. No interior daquela região, garantiam os Charrua, existiam “grandes montanhas onde a neve nunca desaparece”. Nos arredores delas vivia “um povo serrano, que possui muitíssimo ouro batido, usado à moda de armadura, na frente e ao peito”.


Foi a primeira vez que os europeus ouviram falar do Peru e de seus habitantes, os ricos e poderosos incas. Em breve, encontrar esse povo e conquistar seu território se tornaria uma obsessão que por 20 anos traria várias expedições ao sul da América e reclamaria muitas vidas antes de se revelar… uma espantosa realidade.


Na véspera do Natal de 1519, Pigafetta disse ter visto uma das nativas, “das mais bonitas”, subir a bordo “em busca de um companheiro. Mas ao ver um prego do tamanho de um dedo, e julgando que ninguém a observava, enfiou-o rapidamente entre os dois lábios da vagina e jogou-se de volta ao mar”.


Aleixo Garcia arregimentou um exército formado por dois mil índios flecheiros (Carijó, em sua maioria) e partiu para sua assombrosa jornada em direção ao Peru e às fabulosas riquezas do Império Inca. Junto com o grupo, seguiu o mulato Francisco Pacheco. Do porto dos Patos, a tropa de Garcia se dirigiu, provavelmente por mar, a bordo de bergantins e longas canoas indígenas, até a foz do rio Itapocu, considerado “a porta de entrada do sertão”.


O Peabiru podia ser alcançado tanto a partir da foz do Itapocu quanto de Cananeia, de São Vicente e de São Paulo. Em algum lugar do planalto sul-brasileiro, nas proximidades da atual cidade de Ponta Grossa (PR), essas trilhas e ramais se juntavam ao Peabiru e, cruzando pelas nascentes dos rios Tibaji, Ivaí e Piquiri, seguiam pela margem direita do rio Iguaçu até sua foz, no rio Paraná. Cruzando o Paraná, o Peabiru conduzia até o rio Paraguai e acabava na confluência desse rio com o rio Pilcomayo, no local onde seria fundada, mais tarde, a capital do Paraguai, Assunção. A grande área pantanosa do Chaco impedia que o Peabiru se unisse à rede viária construída pelos incas, com estradas pavimentadas, pontes pênseis, pedágio e postos de inspeção.


O exército de flecheiros comandado por Aleixo Garcia atacou com ardor os vilarejos localizados nos arredores de Sucre e Potosí. Após encher cestos com taças de prata, peitorais de ouro e objetos de estanho, o grupo de guerrilheiros bateu em retirada, iniciando sua jornada de regresso a Santa Catarina. Mas, ao chegar às margens do rio Paraguai, a tropa foi atacada pelos temíveis Payaguá – índios extremamente ferozes que, dois séculos mais tarde, ficariam conhecidos como os “piratas do rio Paraguai”, aterrorizando os viajantes das monções (como eram chamados os comboios fluviais dos bandeirantes que, a partir de 1720, partiam de São Paulo para Cuiabá). Entre as centenas de mortos estava o próprio Aleixo Garcia.


Por dois meses, os homens de Martim Afonso percorreram 115 léguas (ou 700 quilômetros) – 65 das quais por montanhas imponentes e 50 por um grande platô descampado. Na volta, trouxeram um “grande rei”, senhor de toda aquela região, que veio com “grandes pedaços de cristal e a notícia de que no rio Paraguai havia muito ouro e prata”.14 Segundo o historiador Capistrano de Abreu, os homens de Martim Afonso subiram a serra da Mantiqueira e chegaram a São Paulo. E, de acordo com o historiador luso Jaime Cortesão, esse “grande senhor” era Tibiriçá, cacique de Piratininga, a aldeia que daria origem à cidade de São Paulo, e sogro do soturno degredado João Ramalho, que Martim Afonso iria encontrar alguns meses mais tarde.


Por um ano e três meses Martim Afonso permaneceu em São Vicente e acabou fundando ali a primeira cidade portuguesa no Brasil. Alguns historiadores, no entanto, afirmam que essa não teria sido uma decisão formal. Foi basicamente com a intenção de dar continuidade à exploração das riquezas do Prata que cerca de 250 integrantes da expedição de Martim Afonso simplesmente se deixaram ficar em São Vicente, “mais como hóspedes do que como colonizadores”.


Outros motivos podem ter contribuído para que vários homens de Martim Afonso decidissem se estabelecer em São Vicente. Um deles pode ser deduzido de uma carta escrita em 1554 pelo padre José de Anchieta. Além de buscar fortuna fácil em terra virgem, na qual não havia “nem lei nem rei” e onde abundavam “a caça, a pesca e os frutos silvestres”, os colonos portugueses também depararam com nativas “que andam nuas e não sabem negar-se a ninguém, mas ainda elas mesmas assediam e importunam os homens, metendo-se com eles nas redes, pois consideram uma honra dormir com cristãos”.


Martim Afonso e João Ramalho se encontraram no verão de 1532, em São Vicente. Mas Ramalho não vivia à beira-mar: havia pelo menos duas décadas, ele se instalara no topo do planalto, acima da serra do Mar, nas proximidades da atual cidade de Santo André, a cerca de 100 quilômetros da costa. Dali ele dirigia o tráfico de escravos do interior para o litoral. Foi Ramalho quem conduziu Martim Afonso serra acima, pela trilha escabrosa do Paranapiacaba (“lugar do qual se vê o mar”), caminho cujo traçado era similar ao da atual via Anchieta, a estrada que liga Santos a São Paulo. Ramalho era o senhor de todo aquele vasto e ainda desconhecido território, onde, por causa dele, os portugueses iriam se instalar poucos anos mais tarde.


Em agosto de 1533, seis meses após o retorno de Pero Lopes, Martim Afonso aportava em Lisboa. Poucas semanas mais tarde, chegavam a Portugal as notícias mais desalentadoras possíveis para os lusos e para os dois irmãos que tinham tentado conquistar a serra da Prata. Em árduo contraste com o destino inglório da excursão de Pero Lobo, um bando de aventureiros espanhóis, liderado por um ex-criador de porcos chamado Francisco Pizarro, acabara de realizar “a mais extraordinária façanha da história da conquista do Novo Mundo”. Em novembro de 1532, com 153 homens e 27 cavalos, Pizarro havia descoberto e fora capaz de conquistar o império do lendário Rei Branco – que, então, era o Inca Atahualpa, filho de Huayna Capac.


O “feitiço do Peru” paralisou toda a atividade exploratória e colonizadora dos portugueses (e dos espanhóis) na “costa do ouro e da prata”, como era chamado, então, o litoral que vai de Cananeia até a foz do rio da Prata. Esse efeito estagnador se tornaria ainda mais completo depois de 1545, quando os espanhóis descobriram também a “sierra de la Plata”. Como o próprio Rei Branco, esse lugar lendário, ao qual se referiam os índios do sul de São Paulo, de Santa Catarina e das margens do Prata, existia de fato: era o cerro de Potosí, montanha de 600 metros de altura, quase toda de prata pura e da qual os conquistadores extraíram seis mil metros cúbicos do metal – fortuna que causou grande impacto na economia europeia.


Mas o Brasil jamais voltou a interessar os dois irmãos. Pero Lopes morreu num naufrágio, em 1539, quando retornava da Índia, onde cometeu grandes atrocidades contra árabes e hindus. Quanto a Martim Afonso, em suas memórias, redigidas em 1557, ele citaria o Brasil uma única vez, e apenas para dizer que, aqui, gastara “perto de três anos, passando muitos trabalhos, muitas fomes e muitas tormentas”.