Author
Eduardo Bueno
Category
History
Format
Kindle
Language
Brazilian Portuguese
Pages
128
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Review

A Viagem do Descobrimento, de Eduardo Bueno, descreve a surpreendente Era dos Descobrimentos, com foco na descoberta do Brasil e nas grandes navegações portuguesas do século XV.

A narrativa começa desmontando a tese da descoberta acidental do Brasil. Comandando a maior e mais poderosa frota que Portugal jamais enviara para navegar o Atlântico, Cabral levava consigo instruções escritas pelo próprio Vasco da Gama, o famoso capitão que tinha alcançado o antigo sonho de alcançar a Índia, por via matírima, em 1498. Ao alongar a famosa manobra “volta do mar” mais ao oeste, Cabral descobre o Brasil em 22 de abril de 1500.

Bueno então apresenta ao leitor a fabulosa saga das navegações portuguesas, que começa logo após a última cruzada na África: a conquista da cidade de Ceuta, em 1415. Em posse de informações sobre a existência de um comércio de ouro na foz de um rio no território do atual Senegal, o infante Dom Henrique lança os planos da circunavegação da África, com os objetivos de flanquear os mouros e conquistar a foz do então batizado “rio do Ouro”.

Estava lançada a empreitada que levaria Portugal a criar sucessivas inovações tecnológicas. A cosmopolita comunidade que D. Henrique atraíra a Sagres (o fim do mundo para os romanos) foi responsável pelo desenvolvimento de novas embarcações (como a caravela de velas latinas, para navegação com ventos contrários), de novos instrumentos de navegação e do aperfeiçoamento dos intrumentos já existentes.

Além dos feitos tecnológicos, a exploração iniciada por D. Henrique também foi responsável pela introdução em Portugal do modelo das capitanias hereditárias, da produção açucareira e do tráfico de escravos. Esses modelos sócio-econômicos seriam, juntamente com o lançamento de degredados em território desconhecido, utilizados na futura colonização do Brasil.

A chegada de Vasco da Gama à Índia foi o ápice desse processo de avanços da navegação portuguesa. Com posse de evidências de que existiam terras ao oeste da África (através da observação de aves, algas e troncos à deriva), com uma frota bem estruturada e com os melhores pilotos do tempo, a tese da descoberta acidental do Brasil por Cabral revela-se frágil.

Por fim, o novo território não despertou interesses colonizantes na coroa, já que as expedições de Américo Vespúcio (entre 1501 e 1504) não encontraram metais preciosos e tampouco especiarias. Isso selaria o destino do Brasil pelas próximas três décadas, como mero posto de extração de pau-brasil.

No entanto, os relatos de Vespúcio no Brasil foram determinantes para provar que aquelas terras a oeste da Europa e da África eram um novo mundo, um novo continente, batizado em sua homenagem por engano de um obscuro geógrafo alemão.

Primeiro de uma série de quatro livros (da Coleção Brasilis), A Viagem do Descobrimento o fará ler todos os outros três, o que é recomendadíssimo.

Some quotes

Quarenta e dois dias já se haviam passado desde que a armada chefiada por Pedro Álvares Cabral se lançara ao mar com destino à Índia. Com 10 naus e três caravelas, era a maior e mais poderosa frota que Portugal jamais enviara para singrar o Atlântico. Embora apenas duas semanas após a partida uma das naus houvesse desaparecido – “comeu-a o mar”, na frase poética e terrível de então –, a jornada fora rápida e tranquila. Nada ocorrera – nem temporais, correntes ou ventos bravios – que pudesse justificar um desvio involuntário de rota. E como atribuir um avanço tão resoluto para oeste a um erro de cálculo se a esquadra estava sob o comando dos pilotos mais habilidosos de seu tempo?


Muitos anos antes de Vasco da Gama ter avistado aves voando “muito rijas” em meio ao oceano, os portugueses estavam convictos de que outras ilhas deveriam existir a oeste dos Açores e da Madeira – onde os ventos, por vezes, faziam aportar troncos com entalhes misteriosos. A questão é que parecia não valer a pena explorá-las. A Índia – com suas especiarias e suas sedas – com certeza ficava na direção oposta.


Na saga de Portugal, mito e história se mesclam de forma quase indissolúvel. A ancestral tradição céltico-druídica, o paganismo germânico, o misticismo islâmico, as lendas da cavalaria de Carlos Magno, as antigas profecias bíblicas, as fábulas milenaristas, os Templários e sua busca do Santo Graal, o espírito das Cruzadas: todos esses ingredientes se mesclaram para fundir a nacionalidade lusitana e modelar seu projeto utópico de conquistar o mundo pela navegação dos mares.


Em 23 de julho de 1415, cinco dias após o último suspiro da rainha Filipa de Lancaster, a expedição partiu para a conquista de Ceuta. Era uma frota impressionante, com mais de 200 embarcações: “Trinta e três galés, vinte e sete trirremes, trinta e duas birremes e cento e vinte outros navios”, nos quais se amontoavam 50 mil soldados e 30 mil marinheiros – mais de 20% da população total de Portugal àquela época.


A tomada de Ceuta foi um momento-chave da história: aquela seria a última cruzada e a primeira vitória europeia sobre os árabes na África desde os dias de glória do Império Romano.


Ao fim de 20 dias de marcha, nas proximidades da cidade de Timbuctu, em Mali (veja mapa na página 62), os marroquinos expunham montes separados de sal, coral de Ceuta e mercadorias baratas. Depois, afastavam-se. Os homens das tribos locais, que viviam nas minas abertas, de onde extraíam seu ouro, aproximavam-se e colocavam, ao lado de cada pilha, a quantidade de ouro que julgavam valer tais mercadorias. Então, era sua vez de se retirarem, deixando aos mercadores árabes a função de aceitar a oferta ou reduzir a quantidade de peças expostas. O processo se repetia até que toda a mercadoria fosse retirada. Era o “comércio mudo” – uma forma de etiqueta comercial entre povos que não conheciam a língua uns dos outros, costume tão antigo que fora descrito por Heródoto.


Na vida real, D. Henrique de fato interessava-se por ocultismo, chegando a escrever um livro chamado Segredo dos Segredos da Astrologia. Zurara, seu biógrafo, atribuiu as “altas conquistas” do príncipe ao fato de ele “ter o ascendente em Áries, que é a casa de Marte, Aquário na casa de Saturno e o sol na casa de Júpiter”.


Embora as caravelas já fossem conhecidas dos árabes, na sua versão original eram pequenos barcos usados na navegação fluvial ou costeira, na orla do Mediterrâneo. Os navegantes gregos das galés romanas as batizaram de “caravos” (ou “lagostas”). Caravela é um diminutivo de caravo. De fato, o barco desenvolvido pelos lusos – e que lhes propiciaria fazer suas descobertas – tinha só 20t (contra 50t do caravo), 20m de comprimento e um casco esguio, que lhe permitia alcançar grande velocidade e ser facilmente manobrado. As caravelas se revelaram capazes de entrar nos portos pequenos da costa africana – além de poderem navegar próximas à costa. “São os melhores barcos do mundo”, disse o italiano Cadamosto.


Para navegar contra o vento, os lusos desenvolveram então um novo tipo de navio: a caravela de velas latinas (ver boxe na página anterior). Velas latinas são panos triangulares, de borda rígida, capazes de gerar uma força propulsora na direção oposta à do vento – o que permitia a execução da manobra que, em linguagem náutica, se chama “bolinar”.


De início, para calcular o ponto em que seus navios se encontravam, os navegadores se baseavam na altura em que a estrela Polar se encontrava do horizonte. À medida que avançaram para o sul, os lusos viram esse signo universal de localização “afogar-se” no horizonte norte. A cosmopolita comunidade que D. Henrique atraíra para Sagres – da qual fariam parte o astrônomo Abraão Zacuto e o matemático José Vizinho, ambos judeus fugidos das perseguições de Castela – desenvolveu ou aperfeiçoou tabelas matemáticas com a declinação dos astros e admiráveis instrumentos de navegação, entre os quais o quadrante, o astrolábio, a agulha de marear (espécie de bússola), a balestrilha e o noturlábio (um tipo de astrolábio usado à noite, com a luz das estrelas), além de aprimorar os rudimentares portulanos, antigos mapas náuticos feitos pelos árabes em peles de carneiro ou em pergaminhos.


Embora as jornadas exploratórias prosseguissem, o comércio de escravos e, depois, o de pimenta-malagueta (de qualidade inferior, mas mais barata do que a da Índia), de ouro e de marfim não só batizariam várias regiões da costa da África (os topônimos Costa do Ouro, Costa do Marfim, Costa da Pimenta e Costa dos Escravos se manteriam por séculos) como iriam movimentar 25 caravelas por ano. Malagueta, marfim e ouro eram rentáveis, mas o verdadeiro lucro das expedições de D. Henrique vinha do tráfico de escravos.


Em 13 de novembro de 1460, aos 64 anos, D. Henrique morreu em Sagres. Apenas um terço da costa africana fora desvendado, mas o infante não só bebera água do Senegal, comera ovos de avestruz e carne de elefante, como lançara as bases da exploração sistemática: para ele, cada passo sobre o desconhecido era um convite para ir além. D. Henrique também comandou a colonização dos Açores e da Madeira, introduziu Portugal na produção açucareira e no tráfico de escravos e enfraqueceu o domínio árabe na África. Ao fazê-lo, pavimentou a trilha que levaria os europeus a dominarem o mundo.


Nas fervilhantes feitorias da Guiné, Colombo ouviu falar dos segredos da navegação lusitana: as ilhas que existiriam a oeste dos Açores, os misteriosos troncos entalhados que chegavam às praias e a “volta do mar”. Começou a ler sofregamente: além do Imago Mundi, de Pierre d’Ally, e da reedição de Ptolomeu, ele mergulhou na carta de Toscanelli, que veio lhe parar nas mãos e da qual ele tirou a ideia de chegar à Índia pela rota do Ocidente.


Em 1484, Colombo conseguiu uma audiência com D. João II, na qual tentou convencê-lo a financiar sua expedição para as Índias pela rota sugerida por Toscanelli. Pediu três navios e a fortuna de 2 milhões de maravedis, antiga moeda usada tanto em Portugal quanto na Espanha. O rei submeteu o projeto a sua junta de astrônomos. Coube ao bispo Diogo Ortiz dizer a Colombo que seu plano era uma quimera irrealizável.


O impasse seria resolvido cerca de um ano depois, quando os representantes de D. João II e dos reis Fernando e Isabel reuniram-se na pequena cidade de Tordesilhas, no norte da Espanha, e em 7 de junho de 1494 firmaram um novo tratado dividindo o mundo entre si, com a bênção papal. Mais bem informados que seus rivais, os lusos garantiram, então, a posse de todas as terras 370 léguas a oeste de Cabo Verde, assim assegurando seu domínio não só sobre o litoral do Brasil, mas obtendo também a soberania sobre o amplo espaço oceânico necessário para a realização da “volta do mar”, que Bartolomeu Dias julgava, com razão, ser fundamental para cruzar o cabo da Boa Esperança.


Com quatro navios e 170 homens, Gama partiu de Lisboa em 8 de julho de 1497. Em agosto, chegou ao cabo Verde, de onde zarpou para sudoeste, em direção ao mar aberto – conforme as indicações de Bartolomeu Dias, que se separou da frota e seguiu para Elmina. Ao fim da tarde de 22 de agosto, quando se encontrava próxima à costa do Brasil, a frota de Gama avistou aves que pareciam estar “indo para a terra”. Gama não pôde segui-las, pois logo inverteu seu rumo para leste, em direção à última ponta da África. Em 18 de novembro, depois de uma árdua batalha contra o mar, a frota de Vasco da Gama tornou-se a segunda expedição a dobrar o cabo agora chamado da Boa Esperança.


Mas, de acordo com o historiador Jaime Cortesão, nenhum degredado iria desempenhar um papel histórico tão importante quanto Afonso Ribeiro. Segundo Cortesão, foi a partir do relato de Ribeiro que Américo Vespúcio redigiu a carta Mundus Novus – na qual rebatia frontalmente a tese de Colombo de que as terras recém-descobertas eram parte das Índias. De todo modo, como se verá, Vespúcio não baseou sua teoria apenas no relatório que obteve, em primeiríssima mão, desse degredado, mas serviu-se também da conversa que mantivera algumas semanas antes com o próprio Pedro Álvares Cabral.


Pedro Álvares Cabral morreu na obscuridade, por volta de 1520, sem nunca ter retornado à corte – e virtualmente sem saber que revelara ao mundo um território que era quase um continente. Em 1521 morria também o rei D. Manoel I, o monarca que jamais se interessou pela terra descoberta por Cabral.


Na segunda metade do século XVI, quando o rei D. Manoel, o capitão-mor Pedro Álvares Cabral e o escrivão Pero Vaz de Caminha já estavam mortos havia mais de duas décadas, começaria a surgir em Lisboa a tese de que o Brasil fora descoberto por acaso. Tal teoria foi obra dos cronistas e historiadores oficiais da corte. Fernão Lopes de Castanheda, em História do Descobrimento e Conquista da Índia (publicado em 1541), João de Barros, autor de Décadas da Ásia (de 1552), Damião de Goés, que escreveu a Crônica do Felicíssimo Rei D. Manoel (em 1558), e Gaspar Correia, em Lendas da Índia (de 1561), afirmaram, todos, que a descoberta de Cabral fora fortuita e involuntária. A tese, tão de acordo com o desprezo que a Coroa reservava ao Brasil, logo se tornou verdade histórica. Tanto que os dois primeiros historiadores do Brasil, frei Vicente do Salvador e Sebastião da Rocha Pita, escrevendo respectivamente em 1627 e 1730, abraçaram e divulgaram a tese do “descobrimento casual”.


Ainda assim, apesar de o tema ser ainda hoje tão polêmico, o próprio Capistrano de Abreu (que admitia a precedência de Pinzón e Lepe sobre Cabral) sepultou a questão já em 1900 ao afirmar que as consequências práticas dessas viagens espanholas foram irrelevantes e que o “descobrimento sociológico” do Brasil evidentemente coube aos portugueses. A tese de Capistrano também pode ser usada para encerrar a discussão sobre os supostos precursores lusos de Cabral: se alguma expedição portuguesa de fato chegou ao Brasil antes da de Cabral, seu significado histórico foi praticamente nulo. A terra só seria integrada ao império ultramarino lusitano após o desembarque de Cabral – e, ainda assim, muito lentamente, como se sabe.