Author
Yuval Noah Harari
Category
History
Format
Hardcover
Language
Brazilian Portuguese
Pages
464
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Review

Sapiens é um livro instigante, que o faz lê-lo compulsivamente, graças a excelente narrativa criada por Yuval Harari para contar a história de nossa espécie.

A promessa do subtítulo do livro, “Uma Breve História da Humanidade”, é cumprida na obra. O arco narrativo é estruturado ao redor das grandes revoluções da nossa espécie: a Revolução Cognitiva, a Revolução Agrícola e a Revolução Científica.

A melhor parte dessa história, como contada por Yuval, está distribuída entre as revoluções Cognitiva e Agrícola. O autor conta como um acaso evolutivo há 70 mil anos deu início à Revolução Cognitiva que fez do Homo sapiens a única espécie humana sobrevivente. Jornada esta que partilhou, ao longo de dezenas de milhares de anos, com outras espécies humanas que “deixaram para trás alguns ossos, ferramentas de pedras, uns poucos genes em nosso DNA e uma porção de perguntas sem respostas”. Que cultura teríamos hoje se essas outras espécies humanas também coexistissem no planeta?

É essa narrativa da história de nossa espécie juntamente com perguntas reflexivas e filosóficas que fazem dessa obra um livro especial. Sapiens lembra em pontos a mais famosa obra de Eduardo Galeano (As Veias Abertas da América Latina) onde a história é contada com uma narrativa vívida, permeada com questionamentos das origens das nossas mazelas. E assim como Galeano, as crenças e valores de Yuval são visíveis na obra, como sua militância ao bem-estar dos animais (Yuval se tornou vegano no decorrer da pesquisa do livro) e sua análise marxista do sistema capitalista.

Voltando às revoluções, Yuval reconstitui como a Revolução Cognitiva livrou a nossa espécie da prisão evolutiva genética, que é lenta e acidental, para uma evolução baseada na criação de mitos compartilhados. Na reconstituição do autor, a cultura foi o elemento central na evolução da nossa espécie e as provas nos cercam a todo momento: nossa realidade é permeada de instituições intersubjetivas. Estados nacionais, empresas, religiões, o dinheiro, as leis e os direitos humanos não existem na natureza. São mitos compartilhados entre bilhões de humanos da espécie sapiens.

Essa crença nos mitos e na ficção tornou possível a colaboração entre centenas e milhares de sapiens que não se conheciam enquanto as outras espécies humanas ficaram limitadas a colaboração em grupos menores. Essa foi a chave para a prosperidade da espécie.

Passando para a Revolução Agrícola (iniciada há 12 mil anos), a passagem mais surpreendente é a da “barganha do trigo”. O trigo domesticou o sapiens e não o contrário. A teoria de Yuval de que, como caçadores-coletores, tínhamos uma vida mais satisfatória, uma dieta mais rica e que no nível individual éramos mais inteligentes e habilidosos é interessante. As primeiras comunidades agrícolas pagaram um alto preço ao conceber os primeiros assentamentos humanos, com aumento na violência, nas doenças por conta da má nutrição e com a diminuição da expectativa de vida.

Esta barganha sustentou a humanidade até a Revolução Científica onde o advento da ciência moderna provocou a revolução da ignorância: descobrimos que não temos respostas para as perguntas mais importantes. Disso surgiu a ideia de progresso, a economia moderna e o surgimento da religião mais difundida de todos os tempos, o capitalismo.

O livro termina com questões sobre a felicidade da nossa espécie e o acúmulo cada vez maior de poder. Hoje temos o poder de criação e destruição, dominamos o ambiente ao nosso redor e estamos prestes a nos tornar um deus. E como se fosse um diretor de um filme, Yuval termina com um gancho para seu próximo livro, Homo Deus. A conferir!

Some quotes

Após a Revolução Cognitiva, a fofoca ajudou o Homo sapiens a formar bandos maiores e mais estáveis. Mas até mesmo a fofoca tem seus limites. Pesquisas sociológicas demonstraram que o tamanho máximo “natural” de um grupo unido por fofoca é de cerca de 150 indivíduos. A maioria das pessoas não consegue nem conhecer intimamente, nem fofocar efetivamente sobre mais de 150 seres humanos.


Como o Homo sapiens conseguiu ultrapassar esse limite crítico, fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e impérios que governam centenas de milhões? O segredo foi provavelmente o surgimento da ficcção. Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos.


Em outras palavras, o caçador-coletor médio tinha conhecimentos mais abrangentes, mais profundos e mais variados de seu meio imediato do que a maioria de seus descendentes modernos. Hoje, a maioria das pessoas nas sociedades industriais não precisa saber muito para sobreviver. O que você realmente precisa saber sobre o mundo natural para sobreviver como engenheiro de sistemas, agente de seguros, professor de história ou operário? Você precisa saber muito sobre sua diminuta área de especialização, mas para a grande maioria das necessidades da vida você se apoia cegamente em outros especialistas, cujo conhecimento também é limitado a uma área de especialização minúscula. A coletividade humano conhece, hoje, muito mais do que os bandos antigos. Mas, no nível individual, os antigos caçadores-coletores foram o povo mais conhecedor e habilidoso da história.


Se juntarmos as extinções em massa na Austrália e na América e acrescentarmos as extinções em menor escala que aconteceram enquanto o Homo sapiens se espalhava pela África e pela Ásia – tais como as extinções de todas as outras espécies humanas – e as que ocorreram quando os antigos caçadores-coletores povoaram ilhas remotas como Cuba, a conclusão inevitável é que a primeira onda de colonização dos sapiens foi um dos maiores e mais rápidos desastres ecológicos a acometer o reino animal. Mais duramente atingidos foram as grandes criaturas peludas. Na época da Revolução Cognitiva, o planeta abrigava cerca de 200 gêneros de grandes mamíferos terrestres pesando mais de 50 quilos. Na época da Revolução Agrícola, restavam apenas cem. O Homo sapiens levou à extinção cerca da metade dos grandes animais do planeta muito antes de os humanos inventarem a roda, a escrita ou ferramentas de ferro.


A Revolução Agrícola certamente aumentou o total de alimentos à disposição da humanidade, mas os alimentos extras não se traduziram em uma dieta melhor ou em mais lazer. Em vez disso, se traduziram em explosões populacionais e elites favorecidas. Em média, um agricultor trabalhava mais que um caçador-coletor e obtinha em troca uma dieta pior. A Revolução Agrícola foi a maior fraude da história.


Com o tempo, a “barganha do trigo” se tornou cada vez mais onerosa. As crianças morriam aos montes, e os adultos comiam pão com o suor da fronte. Em média, um indivíduo de Jericó de 8500 a.C. tinha uma vida mais difícil do que um indivíduo na Jericó de 9500 a.C. ou de 13000 a.C. Mas ninguém percebeu o que estava acontecendo. Cada geração continuou a viver como a geração anterior, realizando apenas pequenas melhorias aqui e ali no modo como as coisas eram feitas. Paradoxalmente, uma série de “melhorias”, cada uma das quais concebida para tornar a vida mais fácil, sobrecarregaram ainda mais esses agricultores.


Tais círculos viciosos podem continuar por séculos e até mesmo milênios, perpetuando uma hierarquia imaginada que surgiu de um acontecimento histórico ocasional. Com frequência, a discriminação tende a piorar com o tempo, e não a melhorar. Dinheiro gera dinheiro, e pobreza gera pobreza. Educação gera educação, e ignorância gera ignorância. Os que foram vítimas da história uma vez tendem a ser vitimados novamente. E aquelas que a história privilegiou tendem a ser privilegiados novamente.


Depois da Revolução Agrícola, as sociedades humanas ficaram ainda maiores e mais complexas, enquanto os constructores imaginados que sustentavam a ordem social também se tornaram mais elaborados. Mitos e ficções habituaram as pessoas, praticamente desde o momento do nascimento, a pensar de determinadas maneiras, a se comportar de acordo com certos padrões, a desejar certas coisas e a seguir certas regras. Dessa forma, criaram instintos artificiais que permitiram que milhões de estranhos cooperassem de maneira efetiva. Essa rede de instintos artificiais é chamada de “cultura”.


O comércio de escravos não era controlado por nenhum Estado ou governo. Foi uma iniciativa puramente econômica, organizada e financiada pelo livre mercado de acordo com as leis da oferta e da demanda. As empresas privadas de comércio de escravos vendiam ações nas bolsas de valores de Amsterdã, Londres e Paris. Europeus de classe média à procura de um bom investimento compravam essas ações. Contando com esse dinheiro, as empresas compravam navios, contratavam marinheiros e soldados, compravam escravos na África e os transportavam para a América, onde vendiam escravos aos donos das plantações, usando a receita para comprar produtos como açúcar, cacau, tabaco, algodão e rum. Eles regressavam à Europa, vendiam o açúcar e o algodão por um bom preço e então navegavam para a África para começar outrada rodada. Os acionistas ficavam muito satisfeitos com esse arranjo.


A Revolução Industrial transformou a grade horária e a linha de montagem em um modelo para quase todas as atividades humanas. Logo depois que as fábricas impuseram seus cronogramas ao comportamento humano, as escolas também adotaram grades horárias precisas, seguidas dos hospitais, dos gabinetes de governo e das mercearias. Mesmo em lugares desprovidos de máquinas e linhas de montagem, a grade horária imperou. Se o turno da fábrica termina às cinco da tarde, é melhor o bar das redondezas abrir suas portas às 17h02.